E aí que o cachimbeiro começa a queixar-se para o colega de trabalho:
– Não sei o que está acontecendo com minha mulher, tem algo errado…
– E porque estás dizendo isso? – Pergunta o colega se interessando pelo assunto.
– Noto que ela está estranha, tem evitado beijos… Achava que era por causa do latakia que fumava, passei então a consumir somente full virgínia e aromáticos… Sabe como é, ela reclama bastante do cheiro que fica na sala… Mas mesmo assim, especialmente logo que chego em casa ela vira o rosto… E sequer fumo no trabalho.
– Estranho isso né… Mas pode ser aquele período sabe…
– Não, não, ela já passou pela menopausa, não tem mais isso…
– E foi só isso que notou? Sim porque na hipótese de estar te traindo, se é o que está pensando, dificilmente não fica algum rastro…
– Cara, em princípio não, quer dizer…
– Quer dizer???
– Um fato me deixou curioso a poucos dias, mas não dei bola. Notei que um de meus cachimbos prediletos estava sujo… E jamais deixo isso acontecer. Assim que fumo sempre limpo o fornilho com uma toalha de papel… Achei que tinha esquecido, deixei para lá.
– Bah! Já vi como cuidas de teus mimos, concordo que é impecável.
– Então, só que a idade chegando né, posso falhar…
– Falhar, sei! – Em tom sarcástico brinca o colega.
– Não monstrinho, não esse tipo de falha! Ainda que com o tempo o ritmo lá de casa tenha diminuído, me refiro que não deixaria um cachimbo sujo…
– De acordo, mas neste caso, digamos que se um “Ricardão” frequentasse teus cachimbos, ele frequentaria também teus tabacos, e aí notarias, ou não?
– Tem sentido, mas não notei nada…
– Que dia notou que o cachimbo estava sujo?
– Quarta passada, porquê?
– Ué, porque hoje, por sinal, é quarta-feira…
– E?
– E que se o tal usurpador de fornilho alheio estiver te visitando quando não estás em casa, é provável que isto aconteça nas quartas-feiras…
– É, faz sentido…
– Então, aproveita que as coisas estão calmas, enquanto seguro as pontas aqui no escritório, podes dar uma passada em casa…
– Não, de forma alguma… Não posso desconfiar de minha esposa… Afinal, lá se vão 30 anos e nossa única discórdia é o latakia. Não seria suficiente para ela aprontar uma dessas…
– Bom, você que sabe, mas essa dúvida não vai te deixar em paz.
E de fato na meia hora que se segue, um pensamento terrível não lhe saia da cabeça. Como bem dito pelo seu “bom” colega, pediu licença e saiu rumo a porta:
– Já volto!
– Ok, vai firme – e em tom baixo o suficiente para não ser ouvido completa: – Corno!
Do trabalho até sua casa foram 20 minutos de um pensamento insistente:
– Nem sei o que faria, nem sei o que faria…
E por volta de 14 horas, entrado de forma sorrateira na sala principal, tem a desagradável surpresa: Seu pacote de Pirate Cake aberto sobre a mesinha de centro…
Indignado com a cena, adentra ao corredor que dá acesso à suíte principal, onde abrindo lentamente sua porta, sente um cheiro inconfundível: É latakia sendo queimado!
Imediatamente percebe o barulho de sua hidromassagem ligada, não hesitando nem um segundo, partindo logo ao criado mudo, onde pega sua Glock, pronto para resolver seu problema de honra!
Eis que quase arrombando a porta do banheiro, de pistola em punho, se depara com uma cena memorável: Sua linda esposa, em meio a espuma, solitária, com um fone de ouvidos e um livro, usufrui de seu tabaco com um Savinelli Punto Oro 602.
No susto, ela derruba o cachimbo dentro d´água…
– Que merda é essa! – Pergunta o cachimbeiro, agora arrependido.
– Eu confesso! Eu confesso! Eu amo latakia!
– Mas, mas…
– Sim eu sei, eu fico reclamando… Mas é porque o cheiro é irresistível e eu não queria que você soubesse que eu também fumo…
– Mas…
– Ver você fumando e não poder usufruir de tal maravilha me é uma tortura…
E o nosso confrade percebeu que não deveria mais entrar na pilha do colega…
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